Por fim estacionei na cerâmica. Porém o talento de cuidador nunca me abandonou. Os artigos de medicina e saúde são os que primeiro leio nos jornais e revistas.
Dos pequenos ferimentos familiares cuido eu mesmo, sempre com sucesso.
Na cerâmica acidentes acontecem. Por vezes as canecas ainda úmidas voam do torno em movimento, sofrendo lesões deformantes irreverssíveis. Irritado com minha falta de habilidade, jogava as canecas feridas, sem piedade, no tonel de reciclagem. Aqui na Espanha minha experiência de cuidador aflorou novamente e passei curar as estropiadas até sua independência na vida adulta, ou seja, quando colocadas à venda nas feiras.
Tem clientes com um uma inclinação especial pelas lesionadas pelo simples fato de estarem fora do padrão.
Porém quando os acidentes ocorriam depois das queimas, as cerâmicas viravam presentes para os amigos, quando as lesões era leves como pequenas rachaduras decorrentes da queima. Algumas viravam potes de flores ou as mais graves iam para o depósito dos futuros mosaicos que nunca farei.
Na semana passado consegui fazer um sutura cirúrgica com bons resultados em uma prato quebrado que resistia para não ser jogado na caixa dos mosaicos esquecidos. Mudava constantemente de prateleira em prateleira clamando por uma solução mais digna. Os pontos se consolidaram com sucesso depois de uma queima a 1260ºC.
Algumas vezes quando o barro no torno está muito úmido, a caneca racha quando está nos primeiros minutos do processo de desidratação. Estas invariavelmente eram reprocessadas. Até que me veio a idéia de resgatar também as que sofrem de acidentes graves, urgentes, mais ou menos como médicos que operam bebês recém nascidos:
O sorriso irresistível da salvada.
Lembrei de um episódio ocorrido em Porto Alegre um pouco antes de sair do Brasil.
Uma aluna da Veterinária foi impedida de se formar porque se recusara a quebrar as pernas de cachorros saudáveis, nos cantos das mesas, para aprender a técnica de recuperação de fraturas.
A lógica é imbatível se não o fazem nas faculdades de medicina por motívos éticos, porque o faria com os pobres animaizinhos?
Resultado:
Depois de cinco canecas como Dr Jekyll voltei a ser um ceramista do bem.
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