domingo, 22 de novembro de 2009

Dai de comer aos pequenos que tem fome

Pelos esfumaçados caminhos virtuais da Internet recebi uma encomenda de um enorme tratador para pássaros. Torneei-o com 52 cm de diâmetro para que no final da queima ficasse em 43 cm.
A secagem e queima foram muito lentas para que aguentasse saudavelmente as dolorosas fases de produção. Ao todo demorou 30 dias para que ficasse pronto.
Aprovado com louvor, foi para a 2ª fase: preparar uma embalagem resistente aos descuidos dos carregadores dos correios e às crateras que infestam nossas rodovias. Foram 2 dias de planejamento até que decidi fazer uma caixa de madeira com caixotes de feira desmontados e envolver fortemente o prato com bolas de jornal amassado. Chegou tudo bem em Santa Catarina. Segundo o e-mail de Ilton com esta embalagem até para a lua o tratador poderia ter ido.

Que mico se a peça tivesse quebrado no caminho. Um "imbróglio"de frustrações.
Neste caso caso a única maneira de me safar do prejuízo seria utilizar-me de um recurso inventivo e ardiloso que vi pessoalmente na Grécia. As lojas em locais turísticos são lotadas de cópias de qualidade duvidosa de cerâmicas da Grécia antiga. Um souvenir irresistível. Arrastei dois deles por toda a Europa numa viagem de 3 meses de mochila e camping com minha companheira. Elas resistiram bravamente e estão aqui no quarto, cobertos por uma poeira secular. Em algumas destas lojas eram oferecidos kits arqueológicos. Uma caixinha com cacos de alguma cópia de cerâmica que se quebrou pelo caminho, acompanhado com cola e um manualzinho de restauração. Os cacos no kit eram mais caros por causa do tal de valor agregado. Além da cópia também brincarias de arqueólogo. Assombrosa cara de pau!

Mas deu tudo certo. Aí está o tratador devidamente instalado e visitado por um cambacica, acho.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A agonia e Händel


Todos sabemos que vivemos em uma época de aceleração em que momentos de tranquilidade e intimidade são cada vez mais raros. Um dos meus refúgios para contrapor à loucura do tânsito, violência urbana e desrespeitos é a música dita clássica. O meu trabalho diário no atelier é embalado por Händel, Bach, Mozart ,entre tantos outros, e são também fonte de inspiração.
Sair à noite em Porto Alegre é sempre uma aventura. A vontade de ouvir o Messias de Händel no teatro São Pedro foi maior que os receios.
Ao sair da garagem com o carro me deparei com a cena grotesca de um gari que recolhia com seus colegas o lixo da calçada para o caminhão. Um deles abordou um papeleiro que carregava alguns sacos e lhe atacou a chutes, correndo atrás dele por meia quadra.O trânsito até o centro sempre lento, ruidoso, com motoristas tentando vencer as leis básicas da física a businaços.Na ida do estacionamento ao teatro temos que enfrentar um bando de mal-encarados andando pelas sombras.
O teatro São Pedro é uma bela construção que nos remete a outros tempos. Gosto de chegar mais cedo para ficar relaxando na poltronas, curtindo as formas e os desenhos do teto, me preparando para o concerto. Quando entro no teatro a bagunça do mundo moderno fica lá fora e deixo-me envolver pela atmosfera de intimidade. Tento decifrar os ecos dos milhares de espetáculos que ali ocorreram ao longo de sua existência.
Mas desta vez não foi assim. Resolveram nos presentear com uma dolorosa “Instalação sonoro visual”. No fundo do palco foi projetado em tamanho cinema o trânsito enlouquecido dos arredores do centro, com seus sons irritantes. Um estupro visual e sonoro para quem se prepara para um concerto. Chato, repetitivo, irritante. Dava para perceber que ninguém estava a fim daquilo. O que buscam as pessoas quando vão a uma sala de concertos? Com certeza não é rever o horror do stress de tânsito e de pessoas desconexas. Se eu soubesse disso quando comprei o ingresso não teria ido.Para isso bastaria ficar sentado na varanda de minha casa observando o trânsito e os acidentes que acontecem na esquina pelo menos 2 vezes na semana.Com certeza teria muito mais proveito escutando Händel num Cd no meu atelier Zen. Quando a orquestra entrou tivemos que esperar constrangidos por um bom tempo até que aquela imundície sonora – visual terminasse. E assim do nada, começou o concerto.Falta de respeito total.
Nem o dia faz isto com a noite. Ambos se respeitam no lento e progressivo acender e apagar.
Só consegui prestar atenção na apresentação na metade final. Não lembro de outra vez que saí tão frustrado de um espetáculo.Gostaria de fazer uma reflexão sobre a beleza das peças de Händel e da boa interpretação por parte da orquestra e coral, apesar do reduzido número de cantores.
Sinceramente acho que esta foi uma das mais infelizes associações sonoras. Quem organizou isso não tem a mínima ideia do que se passa na mente das pessoas que vão assistir uma peça clássica de tanta sensibilidade. É lamentável.